Desce mais uma gelada, Maiello!
Há 40 anos, o bar de Antônio Carlos Maiello reúne amigos que celebram a vida e promovem campanhas solidárias
- Postado por Natali Galvao |
- terça, 04 de fevereiro de 2025 | 09:02 hs
'Tinindo, trincando'. Maiello 'destronca' mais uma
Foto: Eliana Saraiva
Em um pequeno bar ali na Vila Pereira, todas as tardes são marcadas por um encontro. Ali, homens de diferentes idades se reúnem, formando um elo que transcende o tempo. Ali é o ‘Bar do Maiello’. Um bar já ‘quarentão’, onde diariamente e pontualmente às 17 horas, como se fosse um ritual, os clientes – de seus 20 e poucos anos até os com mais de 80 – vão se ‘achegando’ para saborear a tradicional ‘loira gelada’. São homens que saem de seus trabalhos – uma troca de turno – e aqueles que já têm ‘cadeira cativa’ e fazem parte da história de vida do Maiello.
A primeira cerveja e a porção de queijo fresco temperado com azeite e orégano abrem a roda de conversa e o que seria uma simples reunião se torna um momento de genuína troca. Os desafios da vida, as vitórias e as derrotas, os resultados do futebol e as boas piadas ganham espaço. Sempre tem alguém com algo para ensinar. A amizade e o companheirismo ganham um significado único.
Os mais jovens escutam as histórias dos mais velhos, aprendendo com a sabedoria adquirida ao longo dos anos; os que estão na metade de suas jornadas compartilham suas inseguranças e seus sonhos, sentindo-se apoiados pela presença dos amigos; já os mais velhos, com os semblantes marcados por suas histórias de vida, se tornam os pilares de todos.
Entre risos, gargalhadas, cervejas e porções, sempre há o momento da observação e do aprender a conhecer. Maiello conhece cada um de seus fregueses. Nesses 40 anos de ‘Bar do Maiello’, ele entende que cada fase da vida traz algo precioso e que o tempo – grande Senhor da Razão – até pode separar as pessoas, mas a verdadeira amizade permanece.
Os frequentadores sabem que, independentemente da idade, todos têm algo a oferecer e algo a aprender. Entre um gole e outro, as histórias se entrelaçam, e as risadas preenchem o ar. O que mais importa não é a diferença de idade, mas o respeito e a empatia que nutrem uns pelos outros. E assim, todos os dias, o ‘Bar do Maiello’ se torna mais do que um simples ponto de encontro; é um espaço de companheirismo, onde o tempo não pesa e a amizade é eterna.
BARES DA VIDA
Esse é o ambiente que Antônio Carlos Maiello (75 anos) construiu ao longo de sua vida em Matão. Foram três bares na mesma Rua João Pessoa, sendo o primeiro na altura do número 615, esquina com a Avenida Toledo Malta (Centro). “Eu trabalhava no Supermercado Jardim, em São Carlos, minha terra natal, e vinha muito para Matão.
Ainda na década de 1970, em um passeio para visitar os tapetes de Corpus Christi, comecei a namorar a Ana, que também é natural de São Carlos. Nos casamos em 1972. Em 1979, eu vim a Matão para trabalhar na filial do Supermercado Jardim, que ficava na esquina da Rua Ítalo Ferreira com a Avenida Sete de Setembro (Centro). O tempo passou e eu voltei para São Carlos como gerente desse mesmo supermercado, onde trabalhei até 1984.
Em março desse ano, recebi uma proposta para trabalhar na Marchesan Implementos Agrícolas. Não deu certo. Então decidi comprar o Bar do Polegatto, no Jardim Buscardi, mas novamente não deu certo. Não desisti do meu propósito e fiz parceria com o Mollon; foi assim que começamos na Rua João Pessoa, nº 615, onde fiquei por cinco anos. Atualmente, o Bar do Mollon retomou as atividades em seu local de origem”, recorda Maiello.
Em 1989, Maiello comprou o Bar do Japonês, na esquina da Rua João Pessoa com a Avenida Saldanha da Gama, onde permaneceu até 1998. Muitas histórias e pessoas que passaram por ali são guardadas na memória e no coração. “Valentim, Rogério Gabriel, Dilma e Dig Din Masselani, Lee Saraiva e Nenê Gorgatti, Tio Lauro Gorgatti, Edson Fazani, Clóvis, Portapilla, dentre muitos outros. As mesinhas eram colocadas na calçada e ali as pessoas ficavam por horas, jogando conversa fora. Outros foram nossos clientes assíduos, mas já nos deixaram, como Vino, Gim Chiozzini, Toninho Rossi, Libório, Jamil, Italiano, Assis, Hiloshi, entre outros... Com certeza estão em outro plano, entretanto, em nossos corações”, cita Maiello.
Com os olhos marejados, ele menciona mais um saudoso amigo, dentre os muitos frequentadores mais antigos – Beto Borghi. “É preciso citar esse amigo. Ele foi muito mais do que um cliente. Ele criou um círculo de amizade tão especial... muito além do balcão. Em outros momentos, nos reuníamos nas quermesses, ainda quando o padre Ferrari estava em Matão, ali no Jardim Buscardi, e fazíamos uma grande mesa. Numa determinada ocasião, Beto Borghi e Lee Saraiva subiram ao palco para cantar a música ‘Vermelho’ (sucesso na voz de Fafá de Belém). Essa passagem é viva em minha memória até hoje!”, recorda.
PARA ALAMEDA
Em 1998, Maiello transferiu sua residência e o bar para a Alameda da Saudade, nº 511 (hoje, Posto Alameda), onde permaneceu por 20 anos. O local também foi marcado por histórias e amizades. “Ali fazíamos o churrasquinho na calçada, nos finais de tarde, toda sexta-feira. Naquele local, os torneios de tranca, o churrasquinho e os jogos do Palmeiras formaram capítulos inesquecíveis, sem falar, é claro, das ‘comidas especiais’ do Fabiano, como frango frito, pescoço de peru e outros quitutes”, destaca. Em fevereiro de 2018, Maiello adquiriu a esquina da Rua João Pessoa com a Avenida Profª Chlorita de Oliveira Penteado Martins, nas imediações da Citrosuco, onde reformou, fixou sua residência e organizou o bar mais uma vez.
Maiello relembra mais alguns nomes dentre os muitos fregueses, como Lauro Gorgatti, Silvio Nicolucci (Cebolinha), Selminho, Rô Cadioli, Previdelli, Carlinho Silveira, Renatão, Adriano (Bochecha), Roberval (Rubinho da Elétrica), Carlinhos, Sambikira, Gordinho do Espetinho (Antônio), Danilo, Delei, Dante, Gabiroba, Tião, Cabelinho, Nelson, Galinha, Sandrão, Fernandes, Guina, Moita, Stallone, Juninho, Leandro, Bacateiro, Grillo, Fernando Martins, João Benassi, José Fernando, Pedrão ‘Primo’ (in memoriam), Yuri (in memoriam), dentre tantos outros. “São pessoas que vieram e ficaram. Alguns, por obra do destino, deixaram a vida terrena; outros tantos seguem suas vidas e, vez ou outra, passam para nos deixar um abraço. Quero registrar que TODOS, inclusive os que esqueci de mencionar, são muito queridos”, frisa Maiello.
DEVOÇÃO
Maiello é devoto de Nossa Senhora Aparecida e, há 40 anos, a imagem da Santa o acompanha. Em todos os dias, ao abrir o bar, sua primeira atitude é parar em frente à imagem e fazer sua oração. “Cada vez que faço isso, sinto uma força que não se explica; confesso que me emociono todos os dias ao rezar”, revela o comerciante, que também é palmeirense fervoroso.
E dia de jogo... Ah... é dia de jogo! Fregueses revelam que as reações do Maiello em dia de Palmeiras são as mais inusitadas, sobretudo quando o Palestra vence. E para celebrar o apreço por ele, uma vez que muitos fregueses o tratam de ‘padre Maiello’, o artista plástico Elio Floriano fez um quadro em sua homenagem. A obra ocupa lugar de destaque no interior do bar, juntamente com pôsteres do Palmeiras.
SOLIDARIEDADE
Quem pensa que o ‘Bar do Maiello’ se resume a cerveja gelada, porções e churrascos, está muito enganado. Ali também é local de solidariedade, a qual se manifesta de maneira simples – por vezes, sigilosa. Por diversas vezes, frequentadores se mobilizam para campanhas de doação de cestas básicas, ora para atender essa ou aquela família, ora para contemplar entidades assistenciais, ora para atender um munícipe em particular, mas com um único propósito: fazer o bem.
“Presenciei clientes cotizando valores para saldar contas de luz ou de água de algum munícipe menos favorecido, para que a prestação do serviço não fosse cortada. Nosso querido e eterno Rei Momo Yuri era um dos idealizadores dessas ações. Sem alarde, o grupo se organiza e a empatia brota, seja para arrecadar alimentos ou para dar uma palavra de conforto. A união entre os frequentadores vai além da simples amizade. Juntos, eles provam que a solidariedade não depende da condição, mas de um coração aberto e disposto a fazer o bem”, relata Maiello.
O freguês José Fernando, por exemplo, realizou uma festa em prol das crianças no Jardim São José, no último mês de outubro. A ação contou com o apoio dos Amigos do Bar do Maiello e foi um sucesso. “Essas ações solidárias se espalham, pois o exemplo do grupo de amigos inspira outros grupos a se unirem em apoio àqueles que mais precisam. A amizade que nasce ali não fica restrita ao pequeno círculo dos homens, mas se espalha pela comunidade, tornando a solidariedade uma corrente que liga a todos”, frisa José Fernando.
FAMÍLIA
Filho de meeiros, Maiello foi criado em meio à simplicidade, em casa de chão batido. Foi por meio da roça que seu pai criou todos os filhos. Pautado neste exemplo, Maiello formou sua família. Ele se casou com Ana Aparecida Duarte Maiello, com quem tem duas filhas – Fabiana (casada com Paulo Toledo, pais de Luiza e Pedro) e Ana Claudia (mãe de Natália e avó de Clara). Ana Claudia é casada Fabio.
O sustento da família e a criação das filhas foram possíveis pelo trabalho realizado no ‘Bar do Maiello’. Sua esposa Ana sempre trabalhou ao seu lado. Ela fazia salgados para serem vendidos no bar e, por vezes seguidas, saía de casa a pé com a bandeja de salgados nas mãos para levar até o bar.
“Conciliar a família e o bar foi uma tarefa difícil, mas não reclamo de nada. Tenho um comércio bom e uma família que amo; tenho clientes que são verdadeiros amigos. Conheço cada um deles. Tenho tudo o que quero aqui e sou grato por esses 40 anos do ‘Bar do Maiello’ e pelos 45 anos em Matão. Só tenho gratidão”, finaliza Maiello.
Fonte: Eliana Saraiva
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