Fôlego de super-herói
Aos 65 anos, o ciclista matonense Beto Mastropietro realiza uma série de façanhas e inspira mais pessoas a pedalar
- Postado por Natali Galvao |
- quinta, 30 de janeiro de 2025 | 10:01 hs
Sobre pedalar. "Além dos ganhos físicos, há algo que não consigo explicar totalmente, há algo espiritual em conexão"
Foto: Rogério Bordignon
Para se exercitar fisicamente, Roberto José Mastropietro (Beto) começou a caminhar. No Natal de 2019 – sem noção do que estava fazendo –, Angela Cristina Schmidt, sua esposa, lhe deu uma bicicleta modelo Track. Devido a compromissos naquele final de ano e no início de 2020, Beto deixou o presente quieto, estreando-o no dia 6 de janeiro de 2020.
Não se sabe se aquela bicicleta foi benzida por Baltazar, Gaspar e Melchior – pois na referida data comemora-se o ‘Dia de Reis’, alusivo aos três Reis Magos que levaram presentes ao Menino Jesus Cristo –, se passou por alguma alquimia ou o que aconteceu com ela. Fato é que algum tipo de magia a bicicleta provocou em Beto, pois surgia naquele dia 6 de janeiro... o Super Beto!
Ao longo de cinco anos, o super-herói matonense foi se consolidando e hoje, aos 65 anos de idade, continua realizando proezas registradas oficialmente por aplicativo e de modo ilustrativo na sala da residência do casal, onde super-heróis, outros personagens, placas e adereços memoram as epopeias, todas intrínsecas ao propósito de incentivar mais idosos a pedalarem. Sobre essa história – exemplar, inusitada e em curso –, A Comarca - Especial de Natal entrevistou o Super Beto.
O que aconteceu naquele dia 6 de janeiro de 2020?
Não sei, nada percebi. O fato é que sentei na bicicleta, comecei a pedalar e não parei mais.
Qual foi o percurso inicial?
No meu primeiro dia de ciclismo, circulei pela periferia de Matão, passando por diversos bairros, percorrendo 100 quilômetros na parte urbana matonense, chegando em casa às 14 horas. Atingir a estes 100 quilômetros foi o meu primeiro desafio. Depois, fiz alguns percursos sozinho e participei de grupos de ciclismo, começando a aprender vários itinerários. Fui algumas vezes com grupos, mas decidi buscar novos desafios e voltei a pedalar solitariamente.
Sempre usou a Track?
Deixei de pedalar a Track em setembro de 2020, pois a Angela me comprou uma Oggi 7.0. Depois chegaram as Oggi 7.3 e 7.6, bem como a Oggi Cattura Sport e a Scott Spark RC. Foram estas as bicicletas com as quais superei e supero desafios, sendo que hoje a minha titular é a Cattura e a reserva é a Scott. Com a Oggi 7.3, pedalei 12 mil quilômetros; com a Oggi 7.6, 31 mil; e com a Cattura, já são 13 mil.
Qual foi o segundo desafio?
Foi o de completar 3.000 quilômetros em um mês. Percorri 3.120 quilômetros, média de 100 por dia, e chamei o desafio de ‘Chuck, o Brinquedo Assassino’.
E na sequência?
No ‘Hulk’, completei 909 quilômetros em cinco dias. Perdi três quilos, mesmo comendo ‘de tudo’. No ‘Esqueleto’, fiz 1.150 quilômetros em sete dias. No ‘Wolverine’, 1.860 em 15 dias; no ‘Zeus’, 2.220 em 25 dias; no ‘Viúva Negra’, 9.000 em seis meses; no ‘Thor’, 17.098 em um ano; no ‘Lobo Solitário’, 31.608 em dois anos; no ‘Sangue de Aço’, 52.021 em quatro anos. No desafio ‘Janeirão 4x4’, percorri 100 quilômetros a cada dia, por 16 dias, em janeiro de 2021. No ‘Teimosão’, realizado durante o ano de 2023, foram 206 ‘pedais’, cada um deles acima de 70 quilômetros, sendo de 72 a média geral diária, o que significa ir – dia sim, dia não – de Matão ao trevo principal de São Carlos, durante praticamente um ano. Também participei de três desafios em grupo: ‘Insano’, de 171 quilômetros; ‘Galáctico’, de 250; e Espartano, de 300. Lembro que todos estes desafios individuais e em grupo ocorreram em estradas de terra, sendo que pedalo no barro quando chove. Cada desafio tem uma camiseta com a ilustração do super-herói, do personagem ou de uma imagem referente ao tema.
E quanto ao desafio de ‘Dois Dias’?
Aconteceu depois do desafio ‘Lobo Solitário’. Eu e o Ademir de Paula, ciclista de Araraquara, percorremos 400 quilômetros antes de retornar ao ponto de partida. Saímos de Matão às 15 horas do dia 20 de junho de 2023, fomos até Nova Europa, voltamos para Matão, depois até Araraquara, Rincão, Guatapará, Pradópolis e voltamos para Matão. Uma aventura de 28 horas totais, com temperatura de seis a sete graus no final da madrugada e no amanhecer do dia 21 de junho. Tivemos enorme cansaço físico e mental; o cérebro não responde da mesma forma após tanto esforço. Este desafio foi denominado ‘Homem de Ferro’. Cheguei em casa e fiquei parado, olhando as coisas, sem concentração. Tomei banho, dormi por cinco horas, acordei e disse para a Angela que tinha que pedalar. Às cinco horas da manhã do dia 29 de junho, saí de casa e pedalei outros 107 quilômetros.
Há algum desafio em curso?
Desde quando pedalo, realizo o ‘Milão’. Me propus a completar uma média de 1.000 quilômetros por mês e a atingi antecipadamente nesse dezembro. Como o desafio ‘Milão’ continuará até o próximo dia 6 de janeiro, ultrapassarei a média de 1.000 quilômetros por mês, possivelmente atingindo uma média mensal de 1.100 quilômetros em cinco meses. Portanto, além do desafio ‘Milão’, há mais dois em curso: o de ‘Três Anos’ e o ‘Gran Teimosão’, mas informarei os números se conseguir finalizá-los.
Como são aferidos os percursos?
Pelo Strava, um aplicativo mundial que permite aos usuários informarem seus feitos. Todas as informações são aferidas via satélite. Sabe-se, por exemplo, quantas vezes você passou em determinado local, a distância percorrida, velocidade média, ganho de elevação, tempo de elevação e calorias consumidas.
A qual nível do ciclismo as suas façanhas te levaram?
Até o final desse ano, chegarei a ter uma coleção de 58 medalhas por desafios que realizei. Posso considerar que, na categoria idoso, sou um dos ciclistas com maior resistência no Brasil. Afirmo isso baseado nos números que os melhores ciclistas do país informam.
Tivemos um período raro de estiagem e vários incêndios ocorreram por aí.
Foi apavorante ver os estragos feitos pelos incêndios. É uma tristeza descabida ver animais queimados, sentir o cheiro de animais queimados. Em épocas de estiagem ou outros períodos, me deparo com a crueldade da natureza, pois já vi um gavião se alimentando de outro gavião e urubus prestes a devorarem um cachorro morto.
Há lugares bonitos em nossa região?
Na nossa região, o ponto mais alto é o Mirante de Taquaritinga, que fica praticamente na divisa com Monte Alto. Também há uma quantidade considerável de cachoeiras, principalmente em Motuca, Rincão e Gavião Peixoto. Em Matão, há dois trajetos com cenários bonitos, sobretudo com o pôr-do-sol, vindo de Motuca para cá, no altiplano, na margem da pista Capital-Interior da Rodovia Brigadeiro Faria Lima. O amanhecer é muito bonito, indo de Silvânia para o distrito araraquarense de Bueno de Andrada.
O que significa pedalar?
(Beto silencia por alguns segundos e volta a se pronunciar, com os olhos cheios de lágrimas). Adquiri uma força para pedalar que não sei de onde vem. Há benefícios físicos, como articulações mais fortes, músculos mais alongados, maior flexibilidade, melhor condicionamento físico. A minha visão está mais periférica, bem mais atenta. O raciocínio, mais rápido. Mas, além dos ganhos físicos, há algo que não consigo explicar totalmente, há algo espiritual em conexão. Todas as vezes que estou no roteiro que mais percorro, passo por uma capela que também foi usada como sepulcro. Ajoelho e faço orações. Também rezo diante de imagens de Jesus Cristo e de outras, bem como diante de outros símbolos religiosos. Agradeço muito ao ontem e peço forças para o hoje. Sinto uma força impressionante toda vez que passo pelo bairro matonense de Silvânia, onde por muitas vezes, pequenino, fui visitar meus saudosos avós Terige e Felisbina Bastia. Pedalar como eu pedalo também provoca mudanças físicas, pois, de tanto frear, meu dedo médio da mão direita ficou torto para o lado esquerdo e um dos ossos da palma desta mão está à flor da pele. Estas mudanças também atestam o quanto me esforço fisicamente. E afirmo que, por praticamente quatro anos, pedalei com uma pedra na vesícula, que chegou a ter 4,1 por 3,6 centímetros. Urinei sangue por aí, algumas vezes.
Há também o aspecto solidário entre os ciclistas.
O fator solidário é constante, praticamente mensal, exercido em vários municípios com a doação de recursos financeiros para entidades assistenciais. Aqui em nosso município, pelo menos uma vez por ano, ocorre a doação. Em 2024, por exemplo, foram doados 6.400 litros de leite para a Associação Paulista Feminina de Combate ao Câncer de Matão (APFCCM).
Você completou 65 anos no dia 7 de novembro; portanto, é um idoso pedalando.
Sou um idoso pedalando desde quando comecei a pedalar, pois, no ciclismo, é considerado idoso quem tem mais de 60 anos.
O que é necessário para ser um idoso ciclista?
Ter precauções como fazer exames cardiológicos periodicamente, realizar outros exames, seguir uma alimentação prescrita por uma nutróloga esportista e dormir sete horas bem dormidas. Lembro que pedalar sozinho é perigoso. Por isso, deixo o roteiro com a Angela e estimo o horário da minha volta. Tomara que a minha ‘Angela da Guarda’ continue sempre me recebendo em nossa casa! (risos).
Teu exemplo como ciclista idoso é divulgado?
Sim, por redes sociais e folders impressos, onde constam informações sobre os meus desafios. Já os distribuí em lojas de revendas de bicicletas em 17 municípios, visando incentivar pessoas a pedalar, principalmente idosos. Há uma frase destacada neste folder: ‘Incentive pessoas idosas a pedalar’. Folders também foram distribuídos por mim na Itália, França, Espanha e Portugal; Maceió, Salvador e Rio de Janeiro.
PERFIL
Roberto José Mastropietro (Beto) nasceu em Matão, no dia 7 de novembro de 1959. É o terceiro filho dos saudosos Roberto Mastropietro (Rubião) e Elza Baldan Mastropietro. Seus irmãos são Elza Maria, Rosa Lilia e Renato José. Roberto é casado com Angela Cristina Schmidt. Suas três filhas são Mayra, casada com Marcelo Galbiatti; Daniela, casada com Anderson Barros; e Gabriela, casada com Diego Pichineli. Beto é avô de Letícia, Luísa, Isis e Dante. Concluiu em 1986 o curso superior de Engenharia de Produção Mecânica pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Trabalhou na Baldan (1975 a 1979), na Romi (1982 a 1986), na Baldan (1987), na Atlas Elevadores (Grupo Villares, 1988) e na Baldan (1989 a 1998). Foi sócio proprietário da Copres Materiais, de 1999 a 2014, quando se aposentou.
DESAFIOS INSANOS
* ‘Hulk’, 909 km em 5 dias
* ‘Esqueleto’, 1.150 km em 7 dias
* ‘Wolverine’, 1.860 km em 15 dias
* ‘Zeus’, 2.220 km em 25 dias
* ‘Viúva Negra’, 9.000 km em 6 meses
* ‘Thor’, 17.098 km em 1 ano
* ‘Lobo Solitário’, 31.608 km em 2 anos
* ‘Sangue de Aço’, 52.021 km em 4 anos
Fonte: Rogério Bordignon
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